ANÁLISE: Decisão do TJ sobre salários mostra que a moralidade ainda respira (por aparelhos)


Nem tudo está perdido. Um sopro de moralidade ainda teima em resistir. A decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) de manter suspenso o aumento dos subsídios da prefeita, do vice-prefeito e dos secretários municipais de Ponta Grossa surge como um raro lampejo de sensatez em um cenário onde a ética pública, há muito tempo, respira por aparelhos.

O episódio é emblemático. Em um país onde o dinheiro público frequentemente se perde em labirintos burocráticos e benesses indevidas, a tentativa de elevar os próprios vencimentos escancara um dos maiores vícios da administração pública: a gula por privilégios.

A Lei Municipal nº 15.385/2024, que previa a majoração salarial, foi barrada por decisão da juíza Luciana Virmond Cesar, e agora sua suspensão foi referendada pelo desembargador Clayton de Albuquerque Maranhão, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR).

A justificativa não poderia ser mais cristalina: a medida feria a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e colocava em risco a saúde financeira do município. Aliás; os termos ‘responsabilidade’ e ‘compromisso’ jazem no passado, esquecidos com o fim da campanha eleitoral de 2024


Ao eleitor ponta-grossense? A sensação de traição. A prefeita eleita, que venceu o pleito sob promessas de compromisso com a população, deu como um de seus primeiros passos na nova gestão a tentativa de aumentar o próprio salário e o dos altos cargos de sua turma.

Como se não bastasse, a população agora enfrenta a cobrança da “contribuição de melhoria”, uma fatura inesperada pelo asfalto despejado às pressas durante a campanha. O que parecia ser um benefício virou um claro caso de estelionato eleitoral. Além disso, observamos a apatia do Município diante da grave crise de segurança pública que se abateu sobre Ponta Grossa. Enfim, são tantas coisas…

Mas voltando a falar da suspensão do aumento dos salários: o desembargador não apenas impediu que o dinheiro do contribuinte fosse drenado para interesses políticos, mas também deixou um recado claro: a legalidade ainda tem voz, ainda que, por vezes, seja sufocada pelo cinismo institucionalizado.

O advogado Alisson Alves Pepe, responsável pela ação popular, celebrou a decisão com entusiasmo, destacando o peso simbólico de sua data: o último dia útil de janeiro, precisamente quando os agentes políticos veriam em suas contas os valores indevidamente reajustados. A suspensão, além de evitar um rombo nos cofres públicos, também impede que a farra com o dinheiro do povo se normalize.

Diante do exposto, proponho a seguinte reflexão: ainda há moralidade neste país? Ou seriam essas decisões meros soluços de um sistema que, na maior parte do tempo, se acomoda à permissividade? Se há algo que a história recente nos ensina, é que a moralidade na política não é um estado permanente, mas uma batalha diária. Cada decisão como essa, que impede o avanço sorrateiro da imoralidade institucionalizada, precisa ser celebrada e defendida com vigor.

O desafio, no entanto, persiste. É preciso que essa vigilância se torne regra, e não exceção. Caso contrário, voltaremos à triste constatação de que, no Brasil, a ética não passa de um conceito retórico, convenientemente esquecido nos momentos em que mais se faz necessária.

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